Após a abertura do túmulo de pedra de D. Isabel de Aragão, em 26 de Março de 1612 e do sequente exame das relíquias, determinou o bispo D. Afonso de Castelo Branco expor à veneração dos fiéis o corpo incorrupto da Rainha Santa. Para o efeito, obteve licença do Papa Paulo V, mandou edificar um arco no coro alto do mosteiro velho e lavrar um túmulo de prata branca e cristal, para onde se faria a trasladação dos venerandos restos mortais.
Tudo leva a crer que teriam sido os ourives de Lisboa, Domingos Vieira e Miguel Vieira os artistas deste novo túmulo, que já estaria pronto em 1614, ano em que os mesmos ourives se encarregaram de executar as gardes da prata que o deviam resguardar. Mas, mercê de vicissitudes várias, a trasladação só se veio a realizar em 1677, aquando da mudança da comunidade para o mosteiro novo. O magnífico conjunto de talha dourada da nova igreja incluiu o retábulo-mor, no chamado estilo nacional, feito em 1693 por Domingos Lopes, com a colaboração de Manuel Moreira. Nele se dispôs uma câmara de caixotões dourados, destinada a receber o túmulo de prata, que foi para aí trasladado no dia 3 de Julho de 1696. A arca tumular de prata é de austera volumetria: de forma paralelepipédica, coberta por uma tampa em tronco de pirâmide, de planta rectangular alongada. A dureza das linhas direitas quebra-se, no entanto, pela aplicação de colunas, jarras de movimentados perfis e cristais, aplicados em vãos de diversas formas e dimensões. Todos estes elementos se ordenam, em sintonia com as regras dos tratados de arquitectura: as colunas coríntias, de harmoniosas proporções e terço inferior demarcado, dispõem-se emparelhadas e sustentam um verdadeiro entablamento, que as acompanha de forma rítmica, em avanços e recuos. A tampa tem cinco faces, sendo as lâminas gravadas e rasgadas de variadas aberturas, com cristais. É uma obra que se insere no classicismo do século XVII, decorada com múltiplos ornamentos de gosto maneirista, em que se salientam os grotescos, entrelaçados em liso sobre fundo pontilhado a punção, e as máscaras, vasos de flores e meninos, mais claramente flamengos, que se distribuem pela tampa, sendo merecedores de especial atenção os capitéis, de folhinhas de acanto finamente cinzeladas e repuxadas. Nelson Correia Borges |